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Livro: Lolita, Vladimir Nabokov


16/dez/2013 | Anielle Casagrande | #

livro-lolita-resenha

Lolita é um livro muito longo. Na verdade ele tem menos de 400 páginas, mas digamos que a leitura se arrasta em alguns trechos, tornando-o “mais longo ainda”. Como alguns sabem (e para minha sorte eu não sabia!) Lolita é a história de Dolores, menina de 12 anos que perde a mãe, ficando órfã e tendo que viver com seu padrasto, que abusa dela desde então. E adivinhem: é ele mesmo o narrador da história, explicando todos seus desejos e pensamentos loucos. PS: Li este livro em português de Portugal, junto de outros três e não tive problema algum smile

Na verdade o livro é muito interessante em diversos aspectos. Os trechos de viagens de carro podem agradar quem gosta do gênero e já se encantou com On the Road no passado (eu). Da mesma forma, os trechos sobre os desejos de Humbert também são ótimos. Ele explica com naturalidade porque alguns tipos de menina chamam sua atenção e outras não, porque Lolita é tão atraente para ele, porque ele saiu com mulheres mais velhas que tivessem jeito de ninfeta e demais pensamentos. Doente? Sim, mas interessante entender como ele pensa, especialmente porque ele tem noção de que tem algum desvio de comportamento. Mesmo assim, ele sempre tenta justificar seu gosto doentio lembrando que “o casamento e a coabitação antes da puberdade ainda se praticam em certas províncias da Índia oriental. Velhos lepchas de oitenta anos copulam com rapariguinhas de oito e ninguém se importa.” e “a estipulação de Direito Romano segundo a qual uma rapariga pode casar aos doze anos foi adoptada pela Igreja e ainda se mantém, tacitamente, em parte dos Estados Unidos.”

Fiquei interessada em entender um pouco sobre o tema, e a forma como é escrito, apesar de cansativa e desagradável às vezes, é muito viciante. Adorei a narrativa e acho que demais fãs de escritores russos gostarão da maneira detalhada e cativante como Lolita é escrito. Outra coisa que gostei neste livro foi que Dolores não é uma menina perfeita idealizada. Ela é uma menina rebelde que não gosta de tomar banho e às vezes usa roupas sujas, ou seja, uma criança normal. Se engana quem acha que ela tem um corpo sensual com curvas ou coisa assim.

Até a página 200 eu estava amando este livro. Devorei ele rapidamente em poucos dias e achei que seria um dos meus favoritos. Porém, a segunda metade virou um texto cada vez mais arrastado e doentio, que eu li apenas para acabar a obra e compreender porque este livro é tão importante mesmo nos dias de hoje. Fiquei angustiada em alguns trechos, afinal a menina era órfã e não tinha como fugir do padrasto. Conclusão? Gostei dele e recomendo, mas não entrou para meus favoritos.

Ps final: fiquei abismada de ver alguns comentários dizendo que a menina provocou e merece o que recebeu. Para mim isso não passa de machismo, especialmente lembrando que Humbert descreve diversas vezes sua paixão por meninas e Dolores não foi quem despertou nele esta obsessão. Complementando, acho ainda que ela é apenas uma menina normal (e portanto curiosa), mas não acho que ela mereceu de forma alguma o que aconteceu: não acho que meninas curiosas mereçam tudo que ela passou contra sua vontade por anos. Nem mulheres, nem adolescentes, nem ninguém.

Lendo outras resenhas percebi que em sua grande maioria foram mulheres que ficaram angustiadas com a leitura. Ignorando o fato de ser uma obra sobre incesto e pedofilia, já pararam para pensar que a atração por mulheres com jeito de menina não é algo tão absurdo assim? Depilação íntima é só um exemplo. Eu poderia citar uma lista de exemplos, mas vou deixar vocês pensando no tema.

“- Pedi que arranjassem um divã, onde dormirei se tu quiseres.
– Está maluco!
– Porquê, minha querida?
– Porque, meu querido, quando a querida mamã souber, divorcia-se de você e estrangula-me.
– Ouve cá, Lo, vamos esclarecer as coisas de uma vez por todas. Para todos os efeitos práticos, sou teu pai. Sinto uma grande ternura por ti e na ausência da tua mãe sou responsável pelo teu bem-estar. Não somos ricos e enquanto viajarmos seremos obrigados… enfim, ficaremos muitas vezes juntos. Duas pessoas que compartilham um quarto contraem inevitavelmente uma espécie de… como dizer?… uma espécie de…
– A palavra é incesto – declarou Lo.”

“E na quinta-feira a calma Mrs. Haze levou-a de automóvel ao Acampamento Q. Como escritores maiores do que eu têm dito, “o leitor que imagine…”. Pensando melhor, talvez não seja má ideia dar a essas imaginações um pontapé nos fundilhos. Sabia que me apaixonara por Lolita para sempre, mas também sabia que ela não seria eternamente Lolita. Completaria treze anos no dia 1 de Janeiro, dentro de cerca de dois anos deixaria de ser uma ninfeta e transformar-se-ia numa jovem e, depois, numa universitária, esse horror dos horrores. (…) Dois meses inteirinhos roubados aos dois anos de ninfita que lhe restavam!”

“Humbert era perfeitamente capaz de ter relações íntimas com Eva, mas era Lilith que desejava.”

Lolita
Vladimir Nabokov
Ed. Alfaguara Brasil
392 págs.

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